Não há faces, há facebooks; não há vidas, há perfis; não há tempo, há urgências angustiadas!...
6 de janeiro de 2012
Postado por Unknown
AS
CRIAÇÕES ARTIFICIAIS TAMBÉM MUDAM A NATUREZA DA ALMA HUMANA!
Quando meus avós paternos se conheceram na
Bahia ela [minha avó] era filha de uma família tradicional de ascendência
francesa, e ele era um amazonense criado no interior do Estado, no meio da
floresta, embora educado, culto e refinado nos saberes acadêmicos.
Naquele tempo isso era obra de “padrinhos
prósperos”, e que levavam a sério a educação de seus “afilhados”. Ora, meu bisavô
era um homem rude, embora inteligente, e, portanto, desejava que seus dois
filhos, João e Maria, gerados quando ele já passava dos 70 anos fossem bem
educados.
O velho viveu até aos 104 anos e morreu por
decisão eutanásica de não se alimentar, pois dizia que estava cansado de tantos
anos, ainda que não tivesse jamais ficado doente, enxergasse bem e não sofresse
de nenhum achaque da idade, mas, dizia que para ele, dera... Achava que vivera
de-mais... Era bastante!
Todavia, como não possuísse meios para educar
os dois filhos em um centro mais avançado, entregou-os aos cuidados de um
compadre de mais posses. Minha bisavó morrera cinco anos após o casamento com o
velho de setenta e poucos...
Quando chegou o tempo da educação acadêmica
formal meu avô mudou-se para Salvador, onde conheceu minha avó. Ela rica, e ele
pobre, porém, culto.
Uma vez formado, ele tinha que voltar ao
interior do Amazonas a fim de cuidar do Seringal/Castanhal da família. Ela,
porém, enfrentava grande resistência por parte da família e de amigos citadinos
quanto seguir aquele homem bom, mas duro. Ele foi. Ela ficou. Mas ficaram
amarrados um ao outro pelo amor e pelo compromisso. Ele prepararia tudo...
Então ele voltaria para busca-la.
Seis anos passaram... Apenas papéis de carta
de amor os embalavam em seus amores e compromissos. Os parentes e amigos diziam
que ela deveria pegar um dos muitos solteiros disponíveis em Salvador e
salvar-se daquele amor por cartas. Ela dizia: “Ele me ama, e eu o amo. Ele é
homem de palavra. Ele volta!” E voltou. Sim, voltou; e a levou; e viveram um
grande e fiel amor, do qual nasceram 13 filhos; e também em razão do qual
criaram muitos outros...; sem falar que transformaram sua casa/hospital num
abrigo para centenas e centenas de desabrigados, marginalizados e doentes,
conforme narro em meu livro “Confissões de um Pastor”.
Meu pai era o oitavo filho daquela prole. E
como meu avô já sustentasse outros filhos estudando no Rio e Salvador, estando
o Brasil na guerra em favor dos Aliados, e não havendo em Manaus Faculdade de
Arquitetura [sonho de meu pai], mas apenas Faculdade de Direito; e mais: já
estando meu avô muito doente, disse ao meu pai que ele deveria renuncia a
Arquitetura e fazer Direito; e mais: incumbiu-o de ir, aos 18 anos, passar pelo
menos 4 meses do ano no Seringal/Castanhal da família, no fim do mundo; pois
ele era o único filho homem disponível para aquela missão da qual a família
também dependia.
Ora, papai não contava com uma das pernas
desde cedo, quando uma injeção mal dada destruiu o seu nervo ciático. Andava de
muletas...
E lá foi ele... Fazia a Faculdade de Direito,
e, nas férias, perdendo aulas, embrenhava-se na selva por quatro meses. Eram
dias e dias de solidão. Remava semanas, sozinho, sem uma alma para conversar.
Aguardava o “batelão” que recolhia a seringa e a castanha, algumas vezes
esperando por até dois meses na beira de um rio, sem ninguém; contando apenas
com a companhia dos porcos do mato, desejosos de comerem as castanhas, com uma
infinidade de mosquitos carapanã, e com a doce presença dos escritores
clássicos da literatura universal. No mais, tudo era chuva, desconforto e
silêncio!...
Por seis longos anos lhe durou aquela rotina
anual. E, dizia ele, nunca lhe foi uma pena, uma perda, uma supressão de vida.
Ao contrário, para ele ali se haviam nele instalado os valores mais preciosos
da rigidez, da seriedade, da paciência, do silencio e da renuncia amorosa.
Aquele era um tempo em que o tempo era
subjugado pelo espirito do homem!
E mais: era o homem quem fazia o tempo e não o
tempo ao homem!
Sim, o homem se sentia senhor do tempo e das
oportunidades, e não o tempo/oportunidade era senhor do homem!
Que diferença faz isto para a formação do
caráter humano. Apenas quem vive sob o senhorio angustiado do
tempo/oportunidade/velocidade não pode compreender tais coisas!
Assim eram forjados no homem os sentidos de
rigidez, de resistência, de interioridade, de felicidade na solidão, de
resignação feliz e de alegria de ser no servir quieto e útil a outros mais do
que apenas o eu-próprio.
Hoje tal coisa é inconcebível a um menino
idiotado de 18 anos; que morre de tédio se por um dia não tiver celular,
balada, festa, filme, chat, MSN, SMS, e um festival de contatos aflitos e
ansiosos. Sim, tendo que estar conectado com tudo e todos; usando todos os
aparatos tecnológicos da pós-modernidade...
Ora, tais coisas não são apenas midiáticas,
mas, sobretudo, existenciais e psicológicas. De fato são demônios espirituais;
os quais possuem a alma como se fossem naturezas eternas do homem.
Mas a vida não era apenas possível sem tais
coisas. De fato era muito mais feliz. Sim; era mais humana, mais nobre, mais
forte, mais digna, mais sóbria, menos carente, menos vulnerável, menos tudo de
mal que vejo à volta!
Antes um menino era tratado como homem aos 13
anos; aos 18 anos ele era respeitado; aos 21 era um senhor responsável; aos 30
era um servo da vida; aos 40 era um ser sábio; aos 50 era um avô lúcido; aos 60
era um guia exemplar para muitos. Digo: caso ele já não estivesse adoecido pela
urbanidade embabacada do Rio ou de São Paulo; ou de New York ou Paris.
Tenho muita pena desta geração de seres
retardados, tementes do tempo, apavorados com a solitude, enfraquecidos diante
de qualquer que seja a espera, ainda que de minutos!
Sim; uma geração sem paciência, sem renuncia e
sem a alegria de certas resignações saudáveis e altruístas!
Digo isto reconhecendo que a minha geração,
embora ainda não tecnológica ao extremo — somente vi televisão a primeira vez
aos 10 anos de idade, em Copacabana —, já era fraca se comparada à do meu avô e
à do meu pai.
Ainda assim [...] tínhamos que esperar um ano
pra ver um filme ganhador do Oscar ou o mesmo período para ter acesso ao Album
do Woodstok.
Embora tivéssemos visto o homem pousar em
tempo real na Lua, e, logo depois, tivéssemos visto o Brasil ganhar a Copa de
70 ao vivo e a cores no México.
No mais, tudo demorava muito mais... Todavia,
já havia uma ansiedade latente em todos nós. Sim, uma angustia quanto ao tempo
[...] e que aparentemente não existia nos mais antigos.
No plano da existencialidade ainda se buscava
conquistar uma menina por um ou dois anos... Sim, ainda se dava tempo ao
encontro, ao cortejo, à resposta...
E mais: não era anormal quando se ouvia falar
de uma mulher que havia sido capaz de amar apenas uma vez na vida, e, não tendo
sido correspondida, nunca buscara outro alguém para tapar o buraco de qualquer
que fosse a carência. Havia até certa dignidade humana em tal resignação
afetiva, e ninguém fazia força para desencanar tal alminha devota ao amor singular
não correspondido.
Ainda me lembro de que havia até homens
capazes de tais entregas... Sendo isto não tão comum nos homens quanto nas
mulheres; mas eles ainda existiam...; e não se recomendava a eles ou elas um
analista a fim de se curarem de tal “mal”. Sim, posto que amor fosse coisa de
amor mesmo; e não de ocupação quase afetiva e apenas social!
ORA, o que
isto tem a ver com o fato de que a tecnologia humana altera a alma, fazendo com
que invenções meramente tecnológicas se tornem significados existenciais?
Nos dias de
hoje meu avô seria diagnosticado como um neurótico e minha avó como uma
alienada afetiva. Meu pai seria um submisso que entregara seus sonhos às
necessidades da família. E a mulher capaz de amar uma única vez, negando-se a
entregar-se sem amor a outro homem, seria considerada uma obcecada e adoecida,
carente de uma boa analise.
HOJE, com todos os chats e com o Facebook não
há tempo a perder. O tempo é senhor da alma. Relacionar-se é uma imposição.
Sim; não importa a razão! O que não se admite é a solitude como boa companhia
jamais!
Então, tais facilidades tecnológicas se tornam
parte da alma; e não existir para atender suas demandas ou ofertas é estar
adoecido e descompassado em relação ao tempo.
Surgem então os carentes profissionais, os
tarados existenciais, os esburacados sem cura, os que se sentem perdendo tudo
se não estiverem conectados; ainda que isto seja num mundo de fantasia como um
“Second Life”.
Todos os dias na Vem e Vê TV ouço os que falam comigo no chat, e,
invariavelmente sinto as angustias de suas crises existenciais/tecnológicas.
Quanto mais velocidade..., mais perda de
tempo; mais angustia; mais pânico de solidão; mais superficialidade; menos
amor; menos valor; menos convicção ser; menos individuação!
São almas em
bits, em gigas, em megabits!
Todavia, são almas sem paciência, sem espera,
sem sobriedade e sem paciência. Sim, são almas em frames, em nano realidades,
em perfis sem verdade, em contatos sem realidade!
Não há faces, há facebooks; não há vidas, há
perfis; não há tempo, há urgências angustiadas!...
Em meio a
isto tudo, como vencer as tentações?
Sim, pois, para vencer as tentações — que são
miragens da realidade — a pessoa tem que ter calma, silencio, quietude, e,
muitas vezes, renuncia e resignação!
Todavia, tais palavras não são compatíveis com
as urgências em bits que são impostas sobre a alma. Tudo é instantâneo e nada
pode ser paciente.
Tudo é realizável, e nada pede renuncia. Tudo
tem que ser atendido, e, portanto, nada demanda resignação quieta e silente!
A alma se tornou um fenômeno quântico, e não
mais um fenômeno do tempo e da espera. Mundos paralelos nos são oferecidos
enquanto se resolve alguma suposta realidade demorada.
Assim,
pergunto: que
alma humana pode sobreviver em sua originalidade natural em tempo de tanta
artificialidade dada como parte da própria natureza humana?
Desse modo, essa coisa de Jesus de “tomar a
sua cruz e segui-Lo” torna-se algo inviável em tempos de nanocruzes, de
bitcruzes e de megaegos!
E mais: em tempos de tecnologização/midiática
da alma, que amor quererá ser eterno?
Sim; quem amará porque ama, e não porque seja
amado, ou desejado, ou apenas porque ame mais a conexão do que a pessoa em si?
O que posso
dizer é que eterno é o buraco tecnológico que se abriu na natureza humana,
posto que não seja humano tal vazio que se faz passar por carência humana na
maioria de nós!
Quem ainda tiver tempo para ouvir, ouça; ou
quem ainda tiver paciência para ler e pensar, por favor, considere!
Nele, que sempre fez tudo seguindo o tempo e a
hora do Pai,
Caio
6 de janeiro de 2012
Copacabana
RJ
Este artigo foi postado por Blog do Caminho em 6 de janeiro de 2012 às 19:20 e está arquivado em caio fábio,mensagens. Siga quaisquer respostas a este artigo através do RSS 2.0 feed. Você pode também deixar seu comentário aqui.
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7 de janeiro de 2012 às 18:30
Graça e paz!
Muito tocante esta palavra. Deus o abençoe! Procuro estar atualizada e participo de algumas redes sociais, porém, a cada dia busco do Senhor a sabedoria do alto para viver nestes dias de "tecnologização/midiática da alma" como senhor mesmo diz. E procuro somente conectar-me naquilo que é essencial e passar a boa Palavra neste mundo virtual. Rogo ao Espírito Santo que sempre me ajude a manter o foco em Jesus Cristo meu Senhor e ser sua testemunha, principalmente na comunidade onde vivo verdadeiramente. Obrigado por este artigo. Abraços em Cristo,
Ethel Martins
9 de janeiro de 2012 às 00:38
muito gostoso,edificante,sim sem comentarios,profundo,e objetivo.
13 de janeiro de 2012 às 15:24
Queria ter uma pai assim...rsrs
Todos os seus textos tem edificado meu espírito e me feito entender a verdade da vida e do evangelho, agradeço a Deus por sua vida e tenho feito na medida do possível minha parte para que essa verdade libertadora alcance outros. Graça e Paz de nosso Senhor Jesus!
17 de janeiro de 2012 às 16:24
Alguns familiares as veses me chamam de biza, na zuera... por conta da serenidade e "lentidão" natural da minha falecida bizavó vista em mim como lerdeza. Que Deus conserve o que seja serenidade e paz-ciência... e me torne diligente... para o que seja vida.