Salmo 34

Este é um dos salmos da minha infância, um dos salmos que, especialmente a minha avó materna, a “mãe velhinha”, usava para nos colocar para dormir. Minha mãe também, mas eu tenho muito a lembrança infantil da minha avozinha recitando e fazendo a gente repetir com ela, todas as noites, os versos 6, 7 e 8, que dizem: Clamou este aflito, e o Senhor o ouviu e o livrou de todas as suas tribulações. O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem e os livra. Oh! Provai e vede que o Senhor é bom; bem-aventurado o homem que nele se refugia. Isto acontecia todas as noite. A gente dormia recitando estes versos do salmo 34. E hoje eu quero que leiamos juntos o verso 12, enquanto você mantém o salmo aberto.

Verso 12...

Quem é o homem que ama a vida e quer longevidade para ver o bem?

Na verdade, longevidade é a única palavra cujo significado esta geração nem sempre conhece. Longevidade significa viver muito. Quem é o homem que ama a vida e quer viver muito para ver o bem? – é a pergunta do salmo. E o salmo responde a esta pergunta de todos os modos; ela está aqui no meio do salmo, mas ele todo é, de certa forma, uma resposta a essa questão. Fique com isso em mente, porque na sequência o salmo começa a nos dizer quem é o homem que ama a vida e quer longevidade para ver o bem.

A pergunta que fica para nós, de fato, é: quem é esse homem que ama a vida e quer longevidade para ver o bem? “Quem é o homem que ama a vida?” é a primeira pergunta para nós. Dependendo de onde você esteja, a resposta vai variar. Haverá pessoas que dirão que o homem que ama a vida é aquele que busca viver com intensidades inimagináveis e impensáveis: o rapaz que ama a vida é aquele que quer ter três, quatro meninas simultaneamente ficando com ele; e a menina que ama a vida é a que vai para uma rave e depois não sabem nem quantas bocas beijou, e coisas mais; o homem que ama a vida é aquele que se esforça para ter a maior quantidade possível de recursos materiais pelos quais ele possa dizer que roda, viaja e conhece a terra toda, e passa suas férias e até os feriadões nos lugares mais exóticos do Planeta porque ele ama a vida, e no dia em que ele morre os amigos dizem: aqui está um homem que amava a vida, amava a terra, amava os pores do sol, e vivia à procura de cores diferentes, de culturas distintas.

Em outros lugares o homem que ama a vida é aquele que, mesmo em meio às suas muitas tristezas de alma, não desiste nunca de fazer poesias, versos, canções, melodias – ainda que melancólicas e doídas – acerca dos seus amores frustrados. E, também, o homem e a mulher que amam a vida são aqueles que dedicam-se a uma causa de natureza social e fazem o bem onde podem, como podem, socorrendo os mais pobres, os mais necessitados, os aflitos; ou que se entregam a uma missão distante, longe dos confortos da família, para atenderem às causas da vida. Ou, então, o homem que ama a vida, hoje em dia, do ponto de vista mais amplo, politicamente correto, é aquele que trabalha para defender o meio-ambiente, que não está defendendo apenas as causas imediatas, mas, também, a vida futura; que não defende apenas a vida humana, mas, também, a de todas as criaturas no Planeta. E se nós formos perguntando a seguimentos diferentes da humanidade, ouviremos respostas distintas sobre o significado de amar a vida.

A questão é: o que Deus chama de amar a vida? E por que Deus vincula o amar a vida a essa vontade de viver uma vida para ver o bem? Porque, de certa forma, a resposta à pergunta “o que significa amar a vida?” está respondida na sequência da própria pergunta “quem é o homem que ama a vida e quer viver vida suficientemente longa para ver o bem?”. Assim, o homem que ama a vida é o homem que quer viver para ver o bem, para fazer o bem, para contemplar o bem, para ser patrocinador e regozijador pessoal na verificação do bem que aconteça; ele não apenas torce pelo bem, mas é, antes, agente do bem, é parte integrante da produção do bem, é conteúdo humano existencial da constituição do que seja o bem na vida e na Terra. Esse é o homem que ama a vida, é o homem que quer vida para ver o bem.

Todo ser humano que de fato ame a vida é esse ser humano que quer ter vida para ver as coisas boas acontecerem. Ele se regozija nessa possibilidade, ele a alimenta, ele sonha com ela, ele tem esperança nela, ele trabalha por ela, ele se dedica a ela. Isso não é apenas um alvo que ele põe na perspectiva de que a loteria faça acontecer, de que a sorte faça realizar, de que as coincidências dos vetores e fatores desta vida convirjam de maneira cega para fazer acontecer o bem. Ao contrário: esse homem que ama a vida é o mesmo que faz de tudo para ter vida suficientemente dedicada à causa do bem de modo que ele veja acontecer o bem pelo qual ele trabalha. Ele não é um torcedor do bem, ele não faz parte da torcida organizada do bem, ele não fica aqui dizendo: “puxa, aquele cara ali é legal, tomara que dê certo a vida dele; vai, vai, lá, legal, vai, vai... Oh, que pena, bateu na trave, chutou pra fora... Oh, acidentou-se, teve um estiramento, não vai poder jogar, ficou fora do jogo, que pena, tomara que tenha um substituto à altura...”. A maioria das pessoas que eu conheço, na melhor das hipóteses apenas torce pelo bem – as melhorezinhas. Mas gente que ama a mesmo a vida de acordo com Deus, e cujo amar não é um amar egótico, não é um amar do seu umbigo, não é o amar do seu capricho, não é o amar vinculado às suas vaidades, às suas tolices, não é o amar das suas demonstrações, não é o amar das suas performances, não é o amar da experiência da multiplicidade de prazeres, não é o amar hedônico, não é o amar das afetividades idolatradas, não é o amar da idolatria sensorial, que diz: “tudo o que for possível sentir neste corpo, nesta alma, ah, eu quero ter essas sensações”; quando é esse amar segundo Deus, essa pessoa se dedica às coisas que realizam o bem, e bem que ela quer ver com seus próprios olhos, não como quem assiste à distância, mas como quem foi partícipe, produtor, agente e coadjuvante ativo na promoção daquilo que ela amava como vida. E ela amava a vida como bem e amava o bem como vida.
 

E é isto que o salmo diz para cada um de nós, hoje. E responde a essa pergunta de maneira simples, com talvez quatro ou cinco elementos pivotais que determinem o significado desse ser humano que ama a vida e quer viver o suficiente para ver o bem materializar-se diante dele como obra das suas mãos; ou como obras das mãos dos outros, mas sendo ele mesmo participante de tudo o que signifique vida e bem, bem e vida na sua própria existência, na sua própria possibilidade  de agir e interferir para realizar, tanto quanto na alegria do seu coração para celebrar o que ele constate como bem sendo produzido à  sua volta.

Em primeiro lugar, o verso 13 nos diz que esse ser humano que ama a vida e quer longevidade para ver o bem é definido pelo seguinte aspecto do seu caráter e da sua atitude: ele refreia a língua do mal. Veja como é diferente o conceito de amar a vida e querer ter vida longa para ver o bem proposto pela Palavra, dos demais conceitos de amor pela vida e de querer longevidade para ver aquilo que se chama de “coisas legais”. Aqui no salmo se diz que quem ama a vida e quer ter vida para ver o bem não é aquele que acumula montanhas de dinheiro, nem aquele que faz multidões de amigos, nem aquele que se torna o ente mais popular da vida atropelando e negociando a sua integridade e o seu caráter; mas a primeira marca, o primeiro sinal desse indivíduo é que ele refreia a sua língua do mal, ele chupa a língua para dentro, ele engole a língua de falar o mal – que é uma coisa que demanda um autocontrole extraordinário. Quem ama a vida e quer ter vida longa para ver o bem, a primeira coisa que tem de fazer é botar um cabresto na língua, é ser o cavaleiro montado sobre o burro da sua língua, sobre o jumento da sua língua, sobre o cavalo da sua língua. Se quiser ter amor pela vida, se amar a sua própria vida e amar a vida dos outros, e se quiser viver vida boa, mansa e tranquila para ver o bem, a primeira coisa a fazer é refrear a sua própria língua.

E refrear a sua própria língua é uma coisa que quase ninguém aqui leva a sério. A maioria aqui fala o que passa na cabeça, o que dá na veneta. Quando não faz isso é porque está num grupo de pessoas muito estranhas e, não conhecendo as figuras, diz: sei lá se tem um primo do cara aqui, se esse gordinho é irmão dele, deixa primeiro eu saber onde estou pisando; porque se não houver genealogia de conectividade, se não houver nenhum vaso comunicante negocial ou financeiro a me prejudicar, se não houver nenhum vínculo psicológico a trabalhar contra mim depois, o que me der vontade de falar, eu falo!

Você ama a vida? Quer ter uma vida boa e longa para ver o bem? Refreie a sua língua de falar o mal, controle a sua língua, pelo amor de Deus. Como prossegue o salmo, exortando: refreia a língua do mal e os lábios de falarem dolosamente. Falar dolosamente, maliciosamente, sorrateiramente, a ponto de solapar, de minar os fundamentos da existência de uma outra pessoa, que é o que nós fazemos com a utilização da língua. Quando nós não destruímos de todo uma pessoa, às vezes nós dinamitamos as bases, colocamos explosivo suficiente para rachar, para fazer uma ranhura nas bases do outro; ele não cai, mas qualquer tempestade mais forte o derrubará, porque o deixamos nesse ponto de fragilidade. Quem ama a vida, portanto, aqui tem a sua primeira resposta. Quem quer que tenha esse amor pela vida tem autopreservação; quem tem amor pela vida ama o significado da existência do próximo; quem tem amor pela vida e quer longevidade para ver o bem deixa de fazer a coisa mais danosa que alguém supostamente amando a vida viesse a fazer contra a sua vida e contra a vida do outro, que é soltar seus próprios lábios para falarem de maneira maliciosa e dolosa.

Agora olhe de maneira prática para a sua vida e veja a quantidade enorme de situações que deixaram você em estado de angústia, de aflição, de constrangimento, de perda, de tristeza, de vergonha, de brigas, de conflitos, de guerras, de deterioração de relacionamentos e de amizades. E veja se praticamente todas elas não decorreram de que você não refreou a sua língua, tenha sido num relacionamento, tenha sido no casamento, tenha sido numa amizade, tenha sido nas relações profissionais, tenha sido nos ambientes onde você transita. Veja se quase tudo que lhe trouxe problema até hoje na vida não veio e não decorreu de você ter falado o que não devia, de ter aventado e expressado o que não poderia, de ter comentado inadequadamente – o que você fez confiadamente e ingenuamente, mas, também, maliciosamente o fez, pois não devia jamais ter feito, uma vez que fazer aquilo não acrescentaria nada a você mas poderia, no mínimo, desconstruir alguém; e você viveu o suficiente para ver que ninguém fala impunemente, ninguém opina impunemente, ninguém perde o controle emocional e expressa as suas raivas, iras e opiniões impunemente; e que depois não dá para recolher. Às vezes nós até somos perdoados por aquele a quem ofendemos; mas, muitas vezes, a coisa transcende à pessoa por nós ofendida e que nos perdoou, e, para além dela, fica ainda, no coração dos que viram e ouviram o que fizemos, uma certeza sobre a nossa inconfiabilidade, sobre a nossa explosividade, sobre a nossa pusilanimidade, sobre a nossa impossibilidade de nos controlarmos, sobre a nossa falta de integridade, sobre as pulsões do nervosismo da nossa alma, sobre nossa instabilidade; o que afasta pessoas de nós, o que arruína relacionamentos, o que nos deixa sob suspeição por muito tempo ante a percepção de muita gente, o que nos coloca sob juízo, sob observações desnecessárias.

De tal modo que a sabedoria de Provérbios nos diz que até o tolo, até o bobão, até o idiota quando se cala passa por sábio, mas aquele que muito fala não só muito peca, como, também, muito ofende, muito transgride e muito chama sobre si calamidades desnecessárias. Quantas vezes o telhado da casa de alguém aqui já caiu, já veio abaixo, literalmente? Uma pessoa, duas – olha só como é um percentual mínimo. Agora vou fazer a mesma pergunta de outro modo: Quem aqui pode dizer: “Caio, eu falei o que não devia e a minha casa veio abaixo”? Olha só: quase todo mundo. Veja como o telhado cair é bastante improvável, mas derrubar a casa com uma palavra é de uma factualidade estatística quase absoluta, aqui entre nós.

Para não constranger ninguém, eu não vou perguntar aqui quem já foi traído pela mulher, pelo marido, pelo namorado ou pela namorada, pois essa pergunta já tem uma resposta estatisticamente óbvia. Vou assumir que pelo menos umas quarenta pessoas aqui diriam que sim. Mas vou fazer uma pergunta um pouco diferente: vou pedir que levante a mão quem, aqui, já perdeu relacionamentos afetivos porque falou o que não devia. Agora, inclua nos afetivos os relacionamentos fraternos, os amigos – continuem com as mãos levantadas. Agora, inclua nos afetivos e fraternos as amizades potenciais, que poderiam ser muito legais e não continuaram. E quem, hoje, tem certeza de que pelo mesmo motivo não foi colocado num emprego ou não permaneceu nesse emprego, levante a mão. Vários. Se eu perguntasse também quem é que deixou de conquistar aquele menino ou aquela menina porque já falou tanto sobre outros “ex”, que chegou ao ouvido dessa conquista potencial o que você falou dos outros, e que por causa disso ele, ou ela, disse: “bom, se ela (ou ele) fala assim dos que passaram na sua vida – e eu não sei se vou ficar –, eu tenho medo até de me aproximar”; se eu fizesse essa pergunta, tenho certeza de que a maioria levantaria a mão (muitos não levantariam porque nem sabem que foi por essa razão que rodaram). E ainda existem os que perderam negócios porque falaram antes da hora, aqueles casos em que a pessoa chega e diz para a outra: olha, existe uma chance de nós fazermos um negócio legal, mas não diz nada para ninguém, vamos esperar ficar tudo preto no branco. Aí a pessoa sai querendo se afirmar sobre os seus amigos, já chega logo para a namorada querendo tirar uma onda e diz: “você não sabe, meu amor, o que está pra acontecer, eu estou na iminência de fechar um negócio, vamos comemorar em um restaurante!”. Aí o indivíduo ainda está fechando a conta, e a namorada já está contando para a melhor amiga, que responde: “Não me diga, o seu namorado está fechando negócio com o Fulano?! Eu sou amiga da namorada dele!”. E já vai logo contar para a outra amiga. E, aí, a casa inteira cai, e o negócio se acaba. Você fica ligando para quem ia lhe propor negócio, mas ele não te atende nunca mais, pois diz: eu não vou fazer negócio com esse idiota, babão!

E multiplique as situações. Eu ousaria dizer que noventa e cinco por cento das coisas que se tornam problemas para nós não são acidentes, não é a casa que cai na cabeça da gente, mas, sim, o que a gente derruba com a língua: é por não refrear a língua do mal, por não deixar de falar dolosamente, não deixar de falar maliciosamente, não deixar de falar precipitadamente, não deixar de falar imponderadamente, não deixar de falar inconsistentemente. É por não deixar de falar! Quem consegue refrear a sua língua possivelmente diminui na própria existência noventa e cinco por cento de potencial calamitoso. Até a máfia sabe disso; é por isso que quando o cara faz o juramento de sangue lá, o juramento é “não falar”. Porque se falar, roda. E se descobrirem que fala, matam. Você está pensando que é só na máfia que não falar preserva a vida? Na vida, não falar preserva a vida.

Veja bem o que você fala, porque a maioria das coisas que você diz não tem importância nenhuma na construção da vida; só tem poder na desconstrução da vida, mas não constrói a vida. Falar tais coisas pode dar um prazer mórbido, uma sensação de poder, de conhecer segredos, de ter penetrado na indevassabilidade das pessoas, pode dar uma sensação de posse de informações, pode gerar em você um sentimento de estar cimentando um relacionamento com base numa confissão que o outro não tinha acerca de um terceiro que ele conhecia; pode dar essa impressão falsa de intimidade, mas isso é mau e é doloso, vai fazer mal à existência de alguém. Portanto, não vai realizar o bem. E, com certeza absoluta, trará males sobre a sua vida, porque Jesus disse que de toda palavra frívola que sair da nossa boca, dela daremos conta no dia do juízo. E damos conta dela nos dias de juízo que vêm sobre nós já na presente existência – antes que aquele grande dia venha, centenas de vezes nós somos visitados pela desgraçada avant-premiere daquela possibilidade.

Portanto, quem ama a vida e quer viver para ver o bem refreia a sua língua do mal e os seus lábios de falarem dolosamente.

A segunda coisa que o salmo diz é: Aparta-te do mal e pratica o que é bom; procura a paz e empenha-te por alcançá-la. Não basta refrear a língua do mal. O que aqui se diz é: aparta-te do mal, fica longe dele. Porque tem gente que diz: “bem, eu apenas não falo, mas sei de todas as fofocas. Eu não digo nada, me preservo, porque aprendi, no salmo 34, a ficar de boquinha pequena, mas eu tenho uns amigos que são uma delícia; as companhias mais gostosas são as maliciosas, a gente se senta com eles e fica sabendo quem está pegando quem, quem está roubando quem, quem foi visto com quem, quem a gente não sabe se já está, mas possivelmente sim, quem é que está sabendo das coisas e sabendo o quê”. Tem gente que adora viver desse colecionismo de informações, sentado nessa roda de escárnio: “eu sou muito amigo do contador do Fulano, fiquei sabendo quanto é que ele conseguiu não pagar à Receita, este ano; não vou falar pra ninguém, mas é uma delícia saber disso! Toda vez que ele passa por mim eu olho pra ele e penso: lá vai você, né, Fulano? Deu um golpe de tanto, no Leão. Sorte sua que eu sou crente e não vou falar pra ninguém”. Não fala para ninguém, mas ama sentar do ladinho dos calhordas que ficam falando disso o dia inteiro; fica lá, mudo, crente, piedoso, só fazendo cara de assustado, e fazendo de conta que não tem nada com aquilo. Aí quando perguntam o que ele acha, ele diz: “não tenho comentários a fazer; misericórdia, Senhor, misericórdia!”. E fica lá, não se aparta do mal, acha que porque não é um divulgador ele tem o privilégio de ser uma companhia da maldade onde tudo isso é produzido. Se a pessoa que foi objeto daquelas conversas ficar sabendo que ele estava nessa roda e for confrontá-lo, ele acha que tem um álibi, que é a desculpa de dizer: “é verdade, eu estava lá, afinal de contas eu sou amigo dos meus amigos; mas você não ouviu ninguém dizer que eu tenha falado qualquer coisa; eu apenas ri, sacudi a cabeça, discordei – nem tanto de você, mas mais dos que falaram”.

“Aparta-te do mal” não é apenas um conceito, significando “afasta da tua mente os conceitos malignos”. Antes, significa: afasta da tua vida a cronificação das companhias malignas, das escolhas malignas, dos acompanhantes malignos com os quais tu convives na passividade omissa da malignidade praticada e que tu pensas que não é tua só porque tu não és sócio maligno da execução.

“Aparta-te do mal e pratica o que é bom”. A gente se afasta do mal para praticar o que é bom, pois não dá para praticar o que é bom estando associado ao que é mau.

“Procura a paz”. Tem gente que fica orando, pedindo a Deus: “Senhor, derrama a tua paz sobre mim!”, mas fica no meio de todas as confusões. Onde tem um pau cantando, lá está ele no meio, mas com a mão para cima, dizendo: “envia a tua paz, Jesus!”. Fala mal dos outros e pede paz aos céus. Assenta-se na roda de escarnecedores e depois diz: “Senhor, visita-me com a tua paz”. Não se desgruda do mal e pede paz. Não faz o bem e pede paz. E na realidade o salmo não manda nem que nós peçamos paz; manda, sim, que nós procuremos a paz: procura. Procura gente de paz. Como Jesus disse: “Ao entrardes numa casa, dizei antes de tudo: Paz seja nesta casa! Se houver ali um filho da paz, repousará sobre ele a vossa paz; se não houver, ela voltará sobre vós”. Paz é para ser procurada. Nós temos que procurar relacionamentos de gente da paz, de gente da bondade, de gente da boa vontade, de gente da discrição, de gente da sobriedade, de gente que não destrata e não e destrói os outros com a língua, de gente que edifica, de gente que constrói, de gente que não tem nenhum prazer na divulgação da perversidade, de gente que tem um coração silencioso o suficiente para orar por aqueles que estejam encalacrados, ao invés de pedir oração divulgando, piedosamente, a maldade. Procura a paz! Quem é o homem que ama a vida e quer longevidade para ver o bem? É aquele que refreia a sua língua do mal, que contém os seus lábios de falarem dolosamente, que aparta-se do mal, que pratica o que é bom, que procura a paz e empenha-se por alcançá-la, se esforça, em todos os sentidos, para alcançá-la.

A minha pergunta é: você se esforça pela paz? A sua guerra, a sua causa é manter a paz? É a sua labuta, é o seu grande esforço, é a grande aventura da sua vida buscar e manter a paz? É a obsessão santa da sua existência procurar e manter a paz, no que depender de você, manter a paz com todos os homens, sempre, apartando-se do mal, praticando o que é bom, refreando a sua língua de falar dolosamente, de praticar com a boca o que seja mal? Você é um mantenedor da paz? Os outros podem dizer de você: eis, ali vai um filho de Deus, porque é um reconciliador de seres humanos, um mantenedor da paz, porque se empenha por alcançá-la? Ou você é um daqueles que, como eu ouço de muitos, dizem: “eu aprendi com meu avô uma sabedoria divina: eu dou um boi pra não entrar, mas uma vez dentro, me perdoe, mas eu dou uma boiada para não sair!”. Parece até que foi o Espírito Santo que falou isso, parece que isso é um mandamento, que foi Jesus quem disse: ouvistes o que foi dito aos antigos: olho por olho, dente por dente; em verdade, em verdade, vos digo: dai um boi para não entrar e uma boiada para não sair – de tão axiomático e dogmático que se tornou esse dito popular no coração dos sábios estúpidos que nos cercam.

Quem é o homem que ama a vida e busca longevidade para ver o bem? Se nós voltarmos um pouco no salmo e lermos nos versos 4 e 5, descobrimos a terceira característica desse homem. Assim dizem esses versos: Busquei o Senhor, e ele me acolheu; livrou-me de todos os meus temores. Contemplai-o e sereis iluminados, e o vosso rosto jamais sofrerá vexame. Essa é a terceira marca do indivíduo que ama a vida e quer longevidade para ver o bem. Ele busca, mesmo, a Deus.

E buscar a Deus não é apenas dizer: “Ah, de sete horas às sete e quinze eu fecho a porta do meu quarto, oro um Pai Nosso, recito o credo apostólico, oro pelo papai, pela mamãe, pelo meu marido (ou minha mulher), pelos meus filhos, por aqueles que estão me devendo grana para que me paguem; e peço a Deus para me dar uma dose especial de paciência em relação àqueles em que eu tenho vontade de dar uma surra, para que eu não faça nenhuma maluquice – eu estou buscando o Senhor”. Buscar o Senhor é buscar a semelhança de Deus, buscar a Deus é querer ficar parecido com ele. Buscar a Deus, como diz o verso 5, é contemplá-lo. “Busquei o Senhor e ele me livrou de todos os meus temores. Contemplai-o e sereis iluminados, e o vosso rosto jamais sofrerá vexame”. Buscar a Deus e contemplar a Deus se fundem. Buscar a Deus é buscar o caráter de Deus, é buscar o mandamento de Deus, é buscar a mente de Cristo, é buscar obedecer o sentido da vida segundo Jesus. Buscar a Deus é buscar conformação do nosso ser com a palavra revelada de Deus. Buscar a Deus é entrega, buscar a Deus é submissão, buscar a Deus é confiança, buscar a Deus é mergulhar na semelhança dele, é contemplá-lo para que com ele nos assemelhemos. E a promessa disso aplica em nós realidades extremamente práticas: ele me livra de todos os meus medos, e me salva de todos os meus vexames.

Não é uma coisa maravilhosa você ficar livre dos seus medos? Pense nos seus medos. Quais são eles? Vamos deixar de fora a fobia de barata (senão quase todas as mulheres estariam em maus lençóis), fobia de rato, fobia de cachorro, de pelo de gato. Tudo isso é bobagem. O que eu quero saber é quais são os seus temores. Você tem medo de morrer sozinho? Tem medo de que os filhos se esqueçam de você na velhice? Tem medo de ser traída pelo marido ou traído pela esposa? Tem medo de contrair um câncer? Tem medo de morrer de uma doença respiratória, tendo que ficar entubado no hospital? Tem medo de assalto? Tem mais medo de assalto na rua ou de invasão de ladrão em casa?  Alguns aqui têm pânico de assalto e de invasão de ladrão.

“Busquei o Senhor e ele me livrou de todos os meus temores”. Você acredita que Deus pode livrar você desse seu pânico horroroso de assalto? Claro que Jesus não mandou que nós procuremos atravessar o caminho entre Jerusalém e Jericó na hora em que todos os assaltantes estiverem de plantão. Mas andar em paz é uma coisa que está para além disso. É claro que Jesus disse: Se o pai de família soubesse a que horas viria o ladrão, fecharia bem a sua porta e não deixaria que fosse arrombada a sua casa. É por isso que fechamos as portas das nossas casas nos horários das conveniências. Por isso, quando saímos de casa e não deixamos ninguém lá, fechamos a porta e as janelas. Por isso, quando vemos estatísticas de assaltos na vizinhança, nós tomamos certas precauções, subimos uma cerca, colocamos cadeado nos lugares mais vulneráveis. Nenhuma dessas ações significa medo; significa apenas precaução. Mas, na realidade, esses que disseram que têm muito medo de assalto estão falando de algo que é mais do que a necessidade de precaução. Estão falando de uma energia assustada e que habita a nossa mente. Eu ando realmente sem medo – Deus sabe, os anjos sabem e a minha família também sabe disso. Eu tomo minhas precauções, pois sou um pai de família, não gosto de tomar prejuízos nem vou colocar quem eu amo sob ameaça de alguma coisa que eu possa prevenir com um trinco, com uma cautela, com uma lâmpada, com uma fechadura, com um cadeado. Mas o medo não me habita em nenhum momento, creiam. Sinto medo de um leão, se eu cair no fosso com ele, lá no zoológico. Nesse caso é um medo racional, ele é um leão e eu sou um humano, ele pode estar com fome; mas se ele tiver acabado de comer muito e estiver deitado, eu vou sair de fininho, tentando nem sentir medo, que é para ele não sentir o cheiro do meu suor medroso e não acordar farejando: quem é esse frouxo que caiu aqui? Porque medo exala; as pessoas mais assaltadas no mundo são as que mais têm medo de ladrão, as pessoas mais estupradas do mundo são as que têm muito medo de estupro, as pessoas as quais as baratas mais visitam são as que têm fobia de barata. O medo atrai essas coisas todas, em todas as dimensões.

Então (agora não falando nem das baratas nem dos ratos, mas daquelas coisas grandiosas da vida), quando eu busco o Senhor e vou me satisfazendo com a semelhança de Deus, e vou contemplando Deus, e vou aprendendo a confiar em Deus, e vou aprendendo como é e qual é o caráter de Deus, e vou, de fato, descansando em Deus, eu estou fazendo um exercício de amor à vida. Pois quem é que pode viver bem na vida cheia de medo? Que vida boa é essa vida apavorada, sempre dizendo: “ai, meu Deus, já fecharam as portas? Fecha aquela cortina, apaga a luz! Quem será aquele cara ali, que tá vindo pra cá?” – achando que isso é porque a vida é tão boa que a gente tem que se precaver. Mas não é assim. Quem ama a vida e busca e contempla Deus, e crê no caráter de Deus toma as providências que a gente toma, a começar por não usar a língua para provocar o mal, a apartar-se do mal para que ele não fique próximo de nós, a buscar a paz e empenhar-se por alcançá-la, a buscar o Senhor, contemplá-lo, para que o nosso caráter se fortaleça na confiança nele. Para que essa vida tenha qualidade. Pois que vida é essa que me será prazerosa, se ela for cheia de medos, de temores e de fobias?

Então, quem ama a vida quer uma vida que não seja pastoreada pelo medo. E quem quer uma vida que não seja pastoreada pelo medo busca o Senhor, contempla o Senhor, se satisfaz na confiança, na fé e no caráter de Deus, se molda em Deus, se deixa forjar pelo mandamento de Deus para a vida, para as ações. E também entrega o seu caminho ao Senhor, confia nele, sabendo que o mais ele fará. E ele te livrará de todos os teus temores. E ele te salvará de todos os teus vexames.

Uma parte da vida que ninguém quer lembrar é aquela dos vexames. Vocês já viram alguém que ame a vida e adore um vexame? Vocês conhecem alguém que diga: “eu coleciono vexames porque eu amo a vida”? Essa pessoa é suicida, quem busca vexames é um ser que não tem autopreservação. Mas quem ama a vida foge de vexames. Quem ama a vida também vai eliminando os seus temores, não coleciona temores, não se faz colecionista de medos. E isso só é possível quando você busca a Deus, contempla Deus, confia em Deus, vai se satisfazendo com a semelhança de Deus, vai mergulhando nele de tal modo, que você sabe que tem de vigiar a cidade, mas que estará fazendo isso em vão se, de fato, você não crer que o Senhor é aquele que guarda a cidade; que você faz a sua parte, edifica a casa, mas você sabe que a casa não estará completa se o Senhor não abençoar aqueles que a edificam, se o Senhor não a edificar, se o Senhor não a construir, se o Senhor não a proteger. Esse ama a vida. Esse guarda a sua língua. Esse busca realizar o que é bom. Esse aparta-se do mal. Esse busca a paz e empenha-se por alcançá-la. Esse busca a Deus e quer viver da contemplação de Deus de modo que dentro dele haja uma paz como um rio, resultado da confiança que decorre da contemplação de Deus, de saber que Deus é com ele, que Deus é por ele; e que se Deus é por nós, quem será contra nós?

Esse tem chance de todos os dias da sua vida viver para ver o bem. Esse não será chamado, o tempo todo e toda hora, para explicar o que falou, e por que falou, contra quem falou; esse controlar-se-á, esse eliminará, pela sabedoria, uma quantidade enorme de dificuldades para viver. Esse viverá aquela vida que se empenha e busca a paz em todos os seus relacionamentos, será um guerreiro da paz. Esse não andará neurótico nem paranoico, porque busca o Senhor, e o Senhor o livra dos seus temores; porque contempla Deus, discerne o caráter de Deus, o amor de Deus, o cuidado de Deus, e o Senhor o livra de vexames.

Esse é aquele acerca de quem minha avó insistia comigo para que eu soubesse desde pequenininho (e que pela misericórdia dela eu não esqueci e jamais esquecerei); e que diz: Clamou este aflito, e o Senhor o ouviu e o livrou de todas as suas tribulações. O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem e os livra. Oh! Provai e vede que o Senhor é bom; bem-aventurado o homem que nele se refugia. Porque os olhos do Senhor repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos ao seu clamor. O rosto do Senhor está contra os que praticam o mal, para lhes extirpar da terra a memória. Clamam os justos, e o Senhor os escuta e os livra de todas as suas tribulações. Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito oprimido. Muitas podem até ser as aflições do justo, mas o Senhor de todas o livra. Preserva-lhe os ossos. O infortúnio matará o ímpio, e os que odeiam o justo serão condenados. O Senhor resgata a alma dos seus servos, e dos que nele confiam nenhum será condenado. Pois se Deus é por mim, quem será contra mim? Pois já não há nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus, o nosso Senhor. Por isso eu bendirei ao Senhor em todo o tempo, o seu louvor estará sempre nos meus lábios. Gloriar-se-á no Senhor a minha alma; os humildes o ouvirão e se alegrarão. Engrandecei o Senhor comigo, e todos, à uma, lhe exaltemos o nome. Em nome de Jesus.

Quem é o homem que ama a vida e quer viver vida longa para ver o bem? Vamos responder isso com a nossa vida. É o que refreia a sua língua do mal e os seus lábios de falarem dolosamente. É o que se aparta do mal e pratica o que é bom. É o que procura a paz e empenha-se por alcançá-la. É o que busca o Senhor e nele confia; e nele é acolhido, e o Senhor o livra dos seus medos. É o que contempla  Deus e aprende a confiar no caráter de Deus; e assim ele é iluminado e, por isso, o seu rosto não experimentará vexame. Ele sabe que o anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra. Ele é um bem-aventurado, porque no Senhor ele se refugia. Ele sabe que os olhos do Senhor repousam sobre os justos e os seus ouvidos estão abertos a todo clamor daquele que o busca. Que o rosto do Senhor é contra os que praticam o mal, mas os justos clamam e o Senhor os escuta e os livra de todas as suas tribulações. E que perto está o Senhor de todo aquele que tem o coração quebrantado.

Que essa seja a vida que nós queiramos viver, que esse seja o manifestar do nosso amor pela vida. Quem ama a vida vive assim. Quem aborrece a vida vive contra isso, apenas para ter uma existência triste, miserável, oprimida, patrocinadora de maldades, de conflitos, de guerras, de malquerenças, de desentendimentos, de explicações desnecessárias; e vai ficando perturbado, vai confiando cada vez mais no que a sua malícia possa produzir; e  acaba neurótico e paranóico, cheio de vexames. Isto não é vida.  A vida boa é aquela que se refreia de patrocinar o mal, que se pronuncia para construir, para edificar, para iluminar. É aquela que se aparta do mal e faz o que é bom, que busca a paz e empenha-se por alcançá-la. É a vida daquele que busca a Deus e é iluminado, e fica livre de todos os medos; que contempla o Senhor e é salvo dos vexames, e sabe que o anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem e os livra. Essa vida é galardoada pela alegria, pela serenidade, pela tranquilidade e pela paz.

Quem vive essa vida vai viver, tantos anos quantos Deus lhe dê, para ver a paz, para ver o que é bom, e para regozijar-se em todo bem.