Projeto Oásis no Deserto | Julho 2013 - Alguns relatos da jornalista Tatyana Jorge
28 de julho de 2013
Postado por Marcello Cunha
PROJETO
OÁSIS NO DESERTO | JULHO 2013
ALGUNS
RELATOS DA JORNALISTA TATYANA JORGE
Nunca as esquecerei... Vou lembrar do sorriso
de cada criança... Elas mudaram meu jeito de encarar a vida! E a equipe de
voluntários do Caminho Nações também. Eles me surpreenderam. Já sabia que
faziam um trabalho lindo lá, mas vê-los salvando vidas, literalmente, foi
emocionante. Se todos fossem iguais a vocês... O mundo em que vivemos seria tão
melhor. Parabéns, Meninos.
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Começo
explicando por que vim. Tem uma associação humanitária brasileira, chamada
Caminho - Nações, que tem um braço em Santos, minha cidade querida. Eles vieram
para cá primeiro para lutarem contra uma coisa absurda que é a
idéia de crianças bruxas. (Acredita que tem pai que tortura e até mata o próprio filho só porque alguém disse que ele é bruxo?! E mais, ser bagunceiro já é um motivo para ser considerado bruxo!) Os voluntários brasileiros e alguns amigos nigerianos continuam nesta luta, e agora assumiram um orfanato, que também tem crianças consideradas bruxas. Pois bem... Conheci o trabalho no Brasil, me apaixonei, e fiz de tudo para acompanhá-los. Queria ver de perto se tudo aquilo era verdade, e mais, se fosse, mostrar as pessoas aquele trabalho tão importante para salvar vidas, que sem eles, certamente não durariam muito.
idéia de crianças bruxas. (Acredita que tem pai que tortura e até mata o próprio filho só porque alguém disse que ele é bruxo?! E mais, ser bagunceiro já é um motivo para ser considerado bruxo!) Os voluntários brasileiros e alguns amigos nigerianos continuam nesta luta, e agora assumiram um orfanato, que também tem crianças consideradas bruxas. Pois bem... Conheci o trabalho no Brasil, me apaixonei, e fiz de tudo para acompanhá-los. Queria ver de perto se tudo aquilo era verdade, e mais, se fosse, mostrar as pessoas aquele trabalho tão importante para salvar vidas, que sem eles, certamente não durariam muito.
Vou começar contando da viagem. Não tem voo
direto Brasil / Nigéria. E para a passagem sair mais barata, a conexão foi em
Dubai. Foram 14 horas dentro do avião. Chegamos lá e tínhamos 8 horas até
pegarmos o próximo avião. Mas era de madrugada. Mesmo assim resolvemos dar um
passeio. Ainda dentro do aeroporto, (lindo por sinal) gravei uma passagem para
a tv. E não foi que os seguranças, vestidos com uma roupa branca longa e
turbante, quase prenderam a gente?! Fiz amizade com um deles, e foi assim que
conseguimos evitar uma confusão ainda maior.
Felizes por podermos sair do aeroporto, quando
abrem-se as portas, o calor de 41 graus, a noite. Ufa! Dava vontade de dar meia
volta e retornar para o ar condicionado. Mas fomos corajosos (kkk), afinal,
Dubai estava diante de nós.
Pegamos um taxi, com sou mulher, a taxista
muçulmana tinha que ser mulher. Ela me contou que não podia ter apenas
passageiros homens, e que mulheres não podiam pegar taxi com homens. Fizemos um
pequeno tour por ruas muito bem planejadas, e iluminadas. Aliás, parecia Natal,
de tanta luz. Mas todos concordaram que estava lindo.
Com as lojas fechadas, fomos a praia. Não há
iluminação e as estrelas ficam ainda mais brilhantes. Depois caminhamos por uma
bela rua, até encontrarmos uma lanchonete aberta, afinal, eram 3 horas da
manhã. E tinha bastante gente, porque eles estão no Ramadã, quando os
muçulmanos comem apenas a noite.
Voltamos para o aeroporto para encararmos mais
8 horas de vôo. Então percebemos como seriamos vistos dali em diante. Estavam nigerianos,
indianos (que trabalham nas empresas de petróleo, na Nigéria) além dos chinese,
(que são mão de obra no país.).Brancos, apenas nosso grupo. Branca, só eu. A
única mulher. Todos me olhavam como se fosse um extra terrestre, e confesso que
não liguei. Estava preparada para o que viesse, e sabia que muita coisa ainda
iria acontecer.
Abro agora um parenteses porque preciso contar
para vocês que há um ano, quase por acaso, conheci o projeto do Caminho -
Nações para salvar as ditas crianças bruxas . Naquela ocasião, disse ao
coordenador da missão, Marcelo Quintela, que gostaria de acompanhar o trabalho
na Nigéria e ele disse que nunca levaria uma mulher até lá porque é muito
perigoso. Há assassinatos e estupros demais. Além disso, seqüestrar uma mulher branca
pode ser um bom negócio por lá. Rende um bom dinheiro. Kkkk. E é um país em que
as leis não são muito respeitadas. Fora a corrupção, todo mundo cobra propina,
que é quase legalizada.
Tanto desejei conhecer tudo isso, que depois de
muito tempo, sou a primeira mulher que vem do Brasil acompanhando uma missão. E
logo mais vocês vão entender melhor porque é tão difícil...Aliás, não há seguro
para o local para onde vamos, e os sites de viagem dizem para "nunca ir
para lá". Perigoso? Um tantinho... (kkk)
No dia em que cheguei a Lagos, começou
efetivamente uma aventura. Foram quase três dias viajando para encontrar uma
cidade caótica, onde os policias gritam toda hora, usam metralhadoras,
apontam-as para você e ainda cobram "uma ajudinha em dinheiro para que
fiquem mais felizes". E isso só para você poder passar pela rua, sem fazer
nada errado. Aliás, o Felipe Nogueira, educador que está conosco, estava
gravando as ruas, de dentro do carro, e de repente viu um policial urrando e
apontado a arma para ele.
Isso porque para sairmos do aeroporto, com
malas cheias de doações, tivemos que pagar propina. E era tudo legal! Não
tínhamos nada que não fossem roupas, brinquedos e sapatos!
Mas ali também descobri que estava diante de um
povo cheio de contrastes. Muita pobreza, trânsito caótico... Mas pessoas
maravilhosas. Ficamos hospedados as primeiras horas na casa de Karen e Bosco.
Ela brasileira, ele nigeriano. Os dois se conheceram no Brasil e tiveram dois
filhos, que hoje só falam inglês e que passaram a tarde com a gente enquanto
fazíamos corações para a Ação do Coração que vai acontecer aqui na Nigéria
também. A Karen fez um peixe delicioso, com salada e arroz, com cheirinho e
gostinho de Brasil. Depois de quase de 40 horas sem comermos direito, nem
dormimos deitados, (só cochilos sentados nos aviões) aquilo foi maravilhoso.
Como precisávamos avisar nossas famílias que
apesar de tudo, estávamos vivos, fomos para um hotel (bem simples), para
usarmos a internet. Um policial viu que eramos brancos dentro do carro e
impediu nossa passagem querendo dinheiro, mas Bosco, nigeriano, conseguiu
contornar a situação. Dormimos apenas 4 horas, afinal, no dia seguinte
pegaríamos outro voo, agora mais curto, até, Uyo, capital do estado Akwa Ibom,
no sul da Nigéria. Lá muita gente pediu para tirar foto com os
"brancos". Curioso, né? E eu que estava impressionada com as roupas
coloridas e turbantes das mulheres. Tudo muito bonito.
Hora de encarar a estrada até Oron, uma base da
associação humanitária Caminho- Nações, e lá eu conheci a história de uma
família que me chocou... Mas isso conto para vocês depois...
Saibam que aqui estamos todos muito felizes por
podermos fazer alguma coisa por estas crianças que não têm quem olhem por elas.
Um grande beijo a todos.
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Chegamos em Oron, o "olho do furacão"
quando o assunto é "criança bruxa". Não foi a toa que o local foi
escolhido para abrigar a primeira base do Caminho - Nações. O local simples,
logo virou uma referência para quem "descobre" que tem um filho bruxo
e não sabe o que fazer. E também para pessoas que vêem crianças sendo
torturadas e querem pedir ajuda. Assim, muitos e muitos casos são descobertos
pelos voluntários brasileiros.
Logo que chegamos fomos visitar uma família
ajudada pela associação humanitária. Os pais a procuraram porque alguém disse
que as duas filhas mais velhas eram bruxas. Léo, ( Leonardo Rocha dos Santos) o
diretor do projeto na Nigéria, foi logo dizendo que isso não existe e por que é
mentira.
Aqui preciso explicar como nasceu esta história
de crianças bruxas. Não é algo que existe desde os primórdios na Nigéria. Pelo
contrário, é um fenômeno até recente. Quando a família tem algum problema, seja
qual for, doença, pobreza, os pastores da igreja dizem que a culpa é da criança
que é bruxa. Para que ela deixe de ser, os pais precisam pagar um valor alto
demais para o pastor fazer uma espécie de exorcismo. Que inclui atos de tortura
como furar cabeça da criança com pregos e jogar água fervendo nela.
Quando a família não tem dinheiro, ela mesmo
tem que dar fim a criança, para que a vida de todos volte a melhorar.
O que o Léo explica a eles, todos cristãos, é
que Jesus nunca faria mal a crianças e usa trechos da bíblia para comprovar
isso. Um trabalho que precisa ser feito com os pais, e com toda a comunidade em
volta. Desta maneira ele não só evita que a criança sofra, como permite que ela
continue perto dos pais e irmãos.
No caso que comecei a narrar lá em cima, Léo
não se contentou em convencer a família de que as filhas mais velhas eram
normais. Ele também quis conhecer a casa onde a família morava. E lá descobriu
dois bebês, gêmeos, extremamente magros, jogados no chão, cobertos de urina e
moscas. Para a família, eles estavam assim por causa da bruxaria das meninas mais
velhas. Para Léo, e para o médico que ele levou lá, as crianças estavam assim
por causa da desnutrição. Foi então que associação
humanitária passou a ajudá-los com comida
apropriada.
Nesta nova visita a casa deles, os gêmeos, já
estavam bem melhor. Um deles consegue até dar os primeiros passos. Uma alegria
para aqueles que tanto têm lutado para salvar aquelas vidinhas.
E sabe quais são os nomes dos bebês? Promisse e
Praise. O que significa Promessa e Louvor.
Mas esta não é a única história a ser
contada... Um pouco mais afastado dali fui conhecer Emília, uma menina que não
podia andar, e que tinha uma corcunda. O pastor não a acusou de bruxaria, mas
sim ao irmão dela, que quase foi degolado. Quando isso iria acontecer, um bom
samaritano chamou o pessoal do Caminho - Nações, e o jovem foi salvo. Léo levou
a menina ao hospital e descobriu que ela tinha tuberculose óssea. Tratou, e a
garotinha que conheci, hoje anda perfeitamente e não tem mais a corcunda. Já o menino,
eu o vi pedir aos voluntários para ser levado para o orfanato porque não
aguenta mais sofrer com o preconceito da comunidade que ainda acredita que ele
seja bruxo. Você consegue imaginar isso? Uma criança pedindo para ficar longe
das pessoas que ama porque os outros a volta a maltratam demais? Pelo menos no
orfanato, ele vai ter a chance de estudar e não será mais visto como um bruxo.
Os voluntários aceitaram, mas ele vai continuar visitando a família, e quando
for possível, voltará para casa. Enquanto isso a associação humanitária paga o
aluguel e a alimentação daquela família miserável.
Há ainda a história de Michael, muito, mas
muito mais triste... Que eu conto para vocês depois porque agora estou muito
emocionada para continuar escrevendo. Beijos a todos, repletos de carinho.
...................................
Michael também foi considerado uma criança
bruxa, e o pior, pelo próprio pai que se diz uma espécie de sacerdote. O tio
tentou matá-lo com uma machadada, e foi assim, com um grave ferimento na cabeça
que Michael conseguiu fugir e foi pedir socorro na base do Caminho - Nações, em
Oron.
Muito ferido, ele foi recolhido e cuidado pelos
voluntários. Mas a polícia obrigou o pai a receber de volta o filho. Então, a
equipe brasileiro iniciou o trabalho de convencimento da família de que criança
nenhuma é bruxa.
Tempos depois, como sempre acontece, voltaram
para ver como estava o menino, e para tristeza deles, o encontraram todo sujo
de lama, e os vizinhos disseram que o pai saia para trabalhar de manhã e
colocava o Michael na rua, sem nada para comer ou beber. O menino ficava
próximo a sua casa até que seu pai voltasse a noite. Na rua continuou sendo
alvo de preconceito. Como não tinham a posse legal de Michael, o Caminho-Nações
denunciou o pai às autoridades, e os brasileiros tentaram conseguir algum
documento do governo que os possibilitasse salvar o menino.
Mas não deu tempo. Assim que voltaram, o jovem
já tinha desaparecido. Ninguém sabia dele. Por meses, Léo andou pelas
redondezas em busca de notícias, até que alguém disse que o menino já estava
morto.
O mundo dos voluntários desabou. Como assim
alguém o teria matado? Era apenas uma criança? E o Caminho - Nações já tinha
mostrado que queria ajudar!
Mas eles não se deram por vencidos. Eu os acompanhei
quando voltaram ao vilarejo do pai de Michael. Um lugar muito pobre, onde a
nossa chegada fez com que quase toda a população do local viesse ao nosso
encontro. Todos nós sentíamos que estávamos em perigo. Ligar a câmera ali foi
muito arriscado, mas eu não podia perder esta chance.
Comecei então a me aproximar das mulheres.
Gravei suas roupas diferentes, os penteados elaborados, disse que as achava
bonitas, e assim o ambiente ficou mais simpático, pelo menos para mim.
A minha frente estavam o Léo, Marcelo Quintela,
Ruan (todos voluntários) conversando, ou seria discutindo, com o pai de
Michael. A cada desculpa que o homem arrumava para o desaparecimento do filho,
os brasileiros ficavam mais indignados. Logo ficou claro que eram muitas
mentiras, porque eram muitas as contradições também.
Graças a simpatia das mulheres, comecei a
gravar aquela cena, mesmo percebendo os olhares nada amigáveis de muitos que
ali estavam. Me sentia protegida por elas de alguma maneira.
Ficou decido então que iríamos a casa na mãe de
Michael, que fica em um outro vilarejo. O pai foi nosso guia. Pensado bem,
agora, percebo a loucura que fizemos. Seguimos um homem que não gostava de nós,
claramente mentiroso, que pode ter matado o próprio filho, por caminhos
fechados, no meio do nada. Poderíamos nos tornar vitimas também. Mas ninguém
pensou nisso naquela hora. A vontade de encontrar Michael era tamanha que só a
possibilidade disso acontecer já nos deixou empolgados.
Chegamos onde o carro não mais podia passar.
Agora teríamos que continuar a pé. Até muros pulamos. Nem o pai do menino
parecia saber ao certo onde estávamos indo. Quando encontramos a casa, fomos
recebidos pela a avó materna de Michael. Lá dentro a mãe se escondia, e depois
de muita insistência, veio falar com a gente.
Logo avó, mãe e pai estavam discutindo. E sabe
por quê? Porque nenhum deles sabia de Michael, nem o tinha procurado, nem
queria saber o que tinha acontecido com ele! Apenas nós estávamos preocupados.
Dá para acreditar. Saímos de lá, ainda acompanhados pelo pai, e percebi a
tristeza nos olhos mareados de Léo. Marcelo começou a discutir com o pai,
dizendo que ele nunca deveria ter desistido do filho. Tudo isso aconteceu no
meio do nada.
De repente percebi quanto perigo corríamos, e
caminhamos em passos acelerados até o carro. Agora não teríamos mais o pai de
Michael como guia, e mal sabíamos sair de lá.
O homem continuou gritando, e os brasileiros se
encontravam em um misto de revolta e tristeza por terem certeza de que Michael
já não poderia mais ser salvo. Ou será que agora, ao lado dos Anjos, ele não
está melhor do que naquele lugar, cercado por aquelas pessoas que tanto o
maltrataram? Esse era nosso único consolo....
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Tatyana
Jorge - Jornalista da TV Tribuna, integrante da Expedição Oásis no Deserto -
Caminho Naçoes.
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BRASIL
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BIC: INGBNL2A | HOLANDA |
EXTERIOR
2 | Barclays | ACC 83868257 | Sort Code 20-92-54 | REINO UNIDO |
EXTERIOR
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Este artigo foi postado por Blog do Caminho em 28 de julho de 2013 às 16:55 e está arquivado em caminho nações,nigéria,pequeninos. Siga quaisquer respostas a este artigo através do RSS 2.0 feed. Você pode também deixar seu comentário aqui.
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