PROJETO OÁSIS NO DESERTO | JULHO 2013
ALGUNS RELATOS DA JORNALISTA TATYANA JORGE


Nunca as esquecerei... Vou lembrar do sorriso de cada criança... Elas mudaram meu jeito de encarar a vida! E a equipe de voluntários do Caminho Nações também. Eles me surpreenderam. Já sabia que faziam um trabalho lindo lá, mas vê-los salvando vidas, literalmente, foi emocionante. Se todos fossem iguais a vocês... O mundo em que vivemos seria tão melhor. Parabéns, Meninos.

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Começo explicando por que vim. Tem uma associação humanitária brasileira, chamada Caminho - Nações, que tem um braço em Santos, minha cidade querida. Eles vieram para cá primeiro para lutarem contra uma coisa absurda que é a
idéia de crianças bruxas. (Acredita que tem pai que tortura e até mata o próprio filho só porque alguém disse que ele é bruxo?! E mais, ser bagunceiro já é um motivo para ser considerado bruxo!) Os voluntários brasileiros e alguns amigos nigerianos continuam nesta luta, e agora assumiram um orfanato, que também tem crianças consideradas bruxas. Pois bem... Conheci o trabalho no Brasil, me apaixonei, e fiz de tudo para acompanhá-los. Queria ver de perto se tudo aquilo era verdade, e mais, se fosse, mostrar as pessoas aquele trabalho tão importante para salvar vidas, que sem eles, certamente não durariam muito.

Vou começar contando da viagem. Não tem voo direto Brasil / Nigéria. E para a passagem sair mais barata, a conexão foi em Dubai. Foram 14 horas dentro do avião. Chegamos lá e tínhamos 8 horas até pegarmos o próximo avião. Mas era de madrugada. Mesmo assim resolvemos dar um passeio. Ainda dentro do aeroporto, (lindo por sinal) gravei uma passagem para a tv. E não foi que os seguranças, vestidos com uma roupa branca longa e turbante, quase prenderam a gente?! Fiz amizade com um deles, e foi assim que conseguimos evitar uma confusão ainda maior.

Felizes por podermos sair do aeroporto, quando abrem-se as portas, o calor de 41 graus, a noite. Ufa! Dava vontade de dar meia volta e retornar para o ar condicionado. Mas fomos corajosos (kkk), afinal, Dubai estava diante de nós.

Pegamos um taxi, com sou mulher, a taxista muçulmana tinha que ser mulher. Ela me contou que não podia ter apenas passageiros homens, e que mulheres não podiam pegar taxi com homens. Fizemos um pequeno tour por ruas muito bem planejadas, e iluminadas. Aliás, parecia Natal, de tanta luz. Mas todos concordaram que estava lindo.

Com as lojas fechadas, fomos a praia. Não há iluminação e as estrelas ficam ainda mais brilhantes. Depois caminhamos por uma bela rua, até encontrarmos uma lanchonete aberta, afinal, eram 3 horas da manhã. E tinha bastante gente, porque eles estão no Ramadã, quando os muçulmanos comem apenas a noite.

Voltamos para o aeroporto para encararmos mais 8 horas de vôo. Então percebemos como seriamos vistos dali em diante. Estavam nigerianos, indianos (que trabalham nas empresas de petróleo, na Nigéria) além dos chinese, (que são mão de obra no país.).Brancos, apenas nosso grupo. Branca, só eu. A única mulher. Todos me olhavam como se fosse um extra terrestre, e confesso que não liguei. Estava preparada para o que viesse, e sabia que muita coisa ainda iria acontecer.

Abro agora um parenteses porque preciso contar para vocês que há um ano, quase por acaso, conheci o projeto do Caminho - Nações para salvar as ditas crianças bruxas . Naquela ocasião, disse ao coordenador da missão, Marcelo Quintela, que gostaria de acompanhar o trabalho na Nigéria e ele disse que nunca levaria uma mulher até lá porque é muito perigoso. Há assassinatos e estupros demais. Além disso, seqüestrar uma mulher branca pode ser um bom negócio por lá. Rende um bom dinheiro. Kkkk. E é um país em que as leis não são muito respeitadas. Fora a corrupção, todo mundo cobra propina, que é quase legalizada.

Tanto desejei conhecer tudo isso, que depois de muito tempo, sou a primeira mulher que vem do Brasil acompanhando uma missão. E logo mais vocês vão entender melhor porque é tão difícil...Aliás, não há seguro para o local para onde vamos, e os sites de viagem dizem para "nunca ir para lá". Perigoso? Um tantinho... (kkk)

No dia em que cheguei a Lagos, começou efetivamente uma aventura. Foram quase três dias viajando para encontrar uma cidade caótica, onde os policias gritam toda hora, usam metralhadoras, apontam-as para você e ainda cobram "uma ajudinha em dinheiro para que fiquem mais felizes". E isso só para você poder passar pela rua, sem fazer nada errado. Aliás, o Felipe Nogueira, educador que está conosco, estava gravando as ruas, de dentro do carro, e de repente viu um policial urrando e apontado a arma para ele.

Isso porque para sairmos do aeroporto, com malas cheias de doações, tivemos que pagar propina. E era tudo legal! Não tínhamos nada que não fossem roupas, brinquedos e sapatos!

Mas ali também descobri que estava diante de um povo cheio de contrastes. Muita pobreza, trânsito caótico... Mas pessoas maravilhosas. Ficamos hospedados as primeiras horas na casa de Karen e Bosco. Ela brasileira, ele nigeriano. Os dois se conheceram no Brasil e tiveram dois filhos, que hoje só falam inglês e que passaram a tarde com a gente enquanto fazíamos corações para a Ação do Coração que vai acontecer aqui na Nigéria também. A Karen fez um peixe delicioso, com salada e arroz, com cheirinho e gostinho de Brasil. Depois de quase de 40 horas sem comermos direito, nem dormimos deitados, (só cochilos sentados nos aviões) aquilo foi maravilhoso.

Como precisávamos avisar nossas famílias que apesar de tudo, estávamos vivos, fomos para um hotel (bem simples), para usarmos a internet. Um policial viu que eramos brancos dentro do carro e impediu nossa passagem querendo dinheiro, mas Bosco, nigeriano, conseguiu contornar a situação. Dormimos apenas 4 horas, afinal, no dia seguinte pegaríamos outro voo, agora mais curto, até, Uyo, capital do estado Akwa Ibom, no sul da Nigéria. Lá muita gente pediu para tirar foto com os "brancos". Curioso, né? E eu que estava impressionada com as roupas coloridas e turbantes das mulheres. Tudo muito bonito.

Hora de encarar a estrada até Oron, uma base da associação humanitária Caminho- Nações, e lá eu conheci a história de uma família que me chocou... Mas isso conto para vocês depois...

Saibam que aqui estamos todos muito felizes por podermos fazer alguma coisa por estas crianças que não têm quem olhem por elas. Um grande beijo a todos.


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Chegamos em Oron, o "olho do furacão" quando o assunto é "criança bruxa". Não foi a toa que o local foi escolhido para abrigar a primeira base do Caminho - Nações. O local simples, logo virou uma referência para quem "descobre" que tem um filho bruxo e não sabe o que fazer. E também para pessoas que vêem crianças sendo torturadas e querem pedir ajuda. Assim, muitos e muitos casos são descobertos pelos voluntários brasileiros.

Logo que chegamos fomos visitar uma família ajudada pela associação humanitária. Os pais a procuraram porque alguém disse que as duas filhas mais velhas eram bruxas. Léo, ( Leonardo Rocha dos Santos) o diretor do projeto na Nigéria, foi logo dizendo que isso não existe e por que é mentira.

Aqui preciso explicar como nasceu esta história de crianças bruxas. Não é algo que existe desde os primórdios na Nigéria. Pelo contrário, é um fenômeno até recente. Quando a família tem algum problema, seja qual for, doença, pobreza, os pastores da igreja dizem que a culpa é da criança que é bruxa. Para que ela deixe de ser, os pais precisam pagar um valor alto demais para o pastor fazer uma espécie de exorcismo. Que inclui atos de tortura como furar cabeça da criança com pregos e jogar água fervendo nela.

Quando a família não tem dinheiro, ela mesmo tem que dar fim a criança, para que a vida de todos volte a melhorar.

O que o Léo explica a eles, todos cristãos, é que Jesus nunca faria mal a crianças e usa trechos da bíblia para comprovar isso. Um trabalho que precisa ser feito com os pais, e com toda a comunidade em volta. Desta maneira ele não só evita que a criança sofra, como permite que ela continue perto dos pais e irmãos.

No caso que comecei a narrar lá em cima, Léo não se contentou em convencer a família de que as filhas mais velhas eram normais. Ele também quis conhecer a casa onde a família morava. E lá descobriu dois bebês, gêmeos, extremamente magros, jogados no chão, cobertos de urina e moscas. Para a família, eles estavam assim por causa da bruxaria das meninas mais velhas. Para Léo, e para o médico que ele levou lá, as crianças estavam assim por causa da desnutrição. Foi então que associação
humanitária passou a ajudá-los com comida apropriada.

Nesta nova visita a casa deles, os gêmeos, já estavam bem melhor. Um deles consegue até dar os primeiros passos. Uma alegria para aqueles que tanto têm lutado para salvar aquelas vidinhas.

E sabe quais são os nomes dos bebês? Promisse e Praise. O que significa Promessa e Louvor.

Mas esta não é a única história a ser contada... Um pouco mais afastado dali fui conhecer Emília, uma menina que não podia andar, e que tinha uma corcunda. O pastor não a acusou de bruxaria, mas sim ao irmão dela, que quase foi degolado. Quando isso iria acontecer, um bom samaritano chamou o pessoal do Caminho - Nações, e o jovem foi salvo. Léo levou a menina ao hospital e descobriu que ela tinha tuberculose óssea. Tratou, e a garotinha que conheci, hoje anda perfeitamente e não tem mais a corcunda. Já o menino, eu o vi pedir aos voluntários para ser levado para o orfanato porque não aguenta mais sofrer com o preconceito da comunidade que ainda acredita que ele seja bruxo. Você consegue imaginar isso? Uma criança pedindo para ficar longe das pessoas que ama porque os outros a volta a maltratam demais? Pelo menos no orfanato, ele vai ter a chance de estudar e não será mais visto como um bruxo. Os voluntários aceitaram, mas ele vai continuar visitando a família, e quando for possível, voltará para casa. Enquanto isso a associação humanitária paga o aluguel e a alimentação daquela família miserável.

Há ainda a história de Michael, muito, mas muito mais triste... Que eu conto para vocês depois porque agora estou muito emocionada para continuar escrevendo. Beijos a todos, repletos de carinho.


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Michael também foi considerado uma criança bruxa, e o pior, pelo próprio pai que se diz uma espécie de sacerdote. O tio tentou matá-lo com uma machadada, e foi assim, com um grave ferimento na cabeça que Michael conseguiu fugir e foi pedir socorro na base do Caminho - Nações, em Oron.

Muito ferido, ele foi recolhido e cuidado pelos voluntários. Mas a polícia obrigou o pai a receber de volta o filho. Então, a equipe brasileiro iniciou o trabalho de convencimento da família de que criança nenhuma é bruxa.

Tempos depois, como sempre acontece, voltaram para ver como estava o menino, e para tristeza deles, o encontraram todo sujo de lama, e os vizinhos disseram que o pai saia para trabalhar de manhã e colocava o Michael na rua, sem nada para comer ou beber. O menino ficava próximo a sua casa até que seu pai voltasse a noite. Na rua continuou sendo alvo de preconceito. Como não tinham a posse legal de Michael, o Caminho-Nações denunciou o pai às autoridades, e os brasileiros tentaram conseguir algum documento do governo que os possibilitasse salvar o menino.

Mas não deu tempo. Assim que voltaram, o jovem já tinha desaparecido. Ninguém sabia dele. Por meses, Léo andou pelas redondezas em busca de notícias, até que alguém disse que o menino já estava morto.

O mundo dos voluntários desabou. Como assim alguém o teria matado? Era apenas uma criança? E o Caminho - Nações já tinha mostrado que queria ajudar!

Mas eles não se deram por vencidos. Eu os acompanhei quando voltaram ao vilarejo do pai de Michael. Um lugar muito pobre, onde a nossa chegada fez com que quase toda a população do local viesse ao nosso encontro. Todos nós sentíamos que estávamos em perigo. Ligar a câmera ali foi muito arriscado, mas eu não podia perder esta chance.

Comecei então a me aproximar das mulheres. Gravei suas roupas diferentes, os penteados elaborados, disse que as achava bonitas, e assim o ambiente ficou mais simpático, pelo menos para mim.

A minha frente estavam o Léo, Marcelo Quintela, Ruan (todos voluntários) conversando, ou seria discutindo, com o pai de Michael. A cada desculpa que o homem arrumava para o desaparecimento do filho, os brasileiros ficavam mais indignados. Logo ficou claro que eram muitas mentiras, porque eram muitas as contradições também.

Graças a simpatia das mulheres, comecei a gravar aquela cena, mesmo percebendo os olhares nada amigáveis de muitos que ali estavam. Me sentia protegida por elas de alguma maneira.

Ficou decido então que iríamos a casa na mãe de Michael, que fica em um outro vilarejo. O pai foi nosso guia. Pensado bem, agora, percebo a loucura que fizemos. Seguimos um homem que não gostava de nós, claramente mentiroso, que pode ter matado o próprio filho, por caminhos fechados, no meio do nada. Poderíamos nos tornar vitimas também. Mas ninguém pensou nisso naquela hora. A vontade de encontrar Michael era tamanha que só a possibilidade disso acontecer já nos deixou empolgados.

Chegamos onde o carro não mais podia passar. Agora teríamos que continuar a pé. Até muros pulamos. Nem o pai do menino parecia saber ao certo onde estávamos indo. Quando encontramos a casa, fomos recebidos pela a avó materna de Michael. Lá dentro a mãe se escondia, e depois de muita insistência, veio falar com a gente.

Logo avó, mãe e pai estavam discutindo. E sabe por quê? Porque nenhum deles sabia de Michael, nem o tinha procurado, nem queria saber o que tinha acontecido com ele! Apenas nós estávamos preocupados. Dá para acreditar. Saímos de lá, ainda acompanhados pelo pai, e percebi a tristeza nos olhos mareados de Léo. Marcelo começou a discutir com o pai, dizendo que ele nunca deveria ter desistido do filho. Tudo isso aconteceu no meio do nada.

De repente percebi quanto perigo corríamos, e caminhamos em passos acelerados até o carro. Agora não teríamos mais o pai de Michael como guia, e mal sabíamos sair de lá.

O homem continuou gritando, e os brasileiros se encontravam em um misto de revolta e tristeza por terem certeza de que Michael já não poderia mais ser salvo. Ou será que agora, ao lado dos Anjos, ele não está melhor do que naquele lugar, cercado por aquelas pessoas que tanto o maltrataram? Esse era nosso único consolo....

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Tatyana Jorge - Jornalista da TV Tribuna, integrante da Expedição Oásis no Deserto - Caminho Naçoes.




Playlist apenas com vídeos da Expedição Oásis no Deserto: http://bit.ly/18yobg5

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BRASIL 3 | SOS RELIGAR SERTÃO | Itaú | 341 | Agência: 2974 | Conta Poupança 30865 8

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