O caos no Niger Delta
21 de novembro de 2011
Postado por Unknown
CAOS
NO NIGER DELTA
Apesar
de escrever relatórios quase diários do que vem acontecendo aqui na Nigéria
sempre tenho em mim um verdadeiro receio de dar muitos detalhes e mesmo assim
não conseguir expressar a realidade e complexidade do problema.
Mas,
hoje, requer um pouco mais de detalhes para que vocês sintam ou pelo menos
percebam o que está acontecendo por aqui.
O
desemprego na região é algo alarmante. Não se ouve estatística, mas em toda
direção que vou vejo pessoas desesperadas por um trocado que seja para que possam
comprar pelo menos um pão.
Policiais
fortemente armados pelas estradas dobram o tempo de qualquer percurso com
tantas paradas e tantas complicações que arranjam para pedir uma propina, e
pasmem... eu vi uma propina de 200 Nairas (equivalente a R$2,00) deixar dois
policiais extremamente satisfeitos. E não pensem que isso aqui vale muito, um
cacho de bananas custa 250 Nairas.
Na
última terça-feira, a caminho do orfanato James 1:27, vi um homem morto
abandonado na beira da rua com seu corpo inteiramente queimado. O odor de carne
queimada na rua me causava enjôo. Mais tarde vi quatro rapazes, talvez seus
algozes, que riam enquanto o enterravam a dois metros adentro daquele terreno
baldio.
Cheguei
ao orfanato James 1:27 para rever as crianças e ver como vai a obra dos dois
quartos que pagamos recentemente para serem acabados. É neste orfanato que
mantemos a Esther que resgatamos na minha última vinda. Encontrei a maioria das
50 crianças subnutridas vivendo de uma pequena porção diária de farelo de
mandioca com água ou às vezes um bocado de feijão. A pequenina Vitória de
aproximadamente 4 anos nos implorou por um pedaço de pão. Todas as crianças lá
estão sofrendo com uma espécie de sarna na pele e eles não acham a causa do
problema.
Suspeita-se
dos colchões e/ou pequenos cobertores que não podem ser trocados por falta de
condições. A situação é muito triste e carece muito de nosso cuidado. Fiz
promessa no nome do Caminho de os ajudarmos mais.
Dois
meses atrás a Esther, talvez pela falta de condições no orfanato fugiu de lá e
tentou voltar para sua vila.
Nosso
time foi tentar encontrá-la e seu padrasto disse que ela havia aparecido por lá,
mas que lá não estava mais. A Diana entendeu que ela havia sido abandonada
novamente e foi procurá-la pelas ruas, a reencontrou aos trapos e a trouxe de
volta ao orfanato. Segundo o pastor do orfanato quando ela chegou e foram dar
banho nela viram que ela tinha sido seriamente abusada e sua genitália estava
toda desfigurada.
Depois
fui rever as 12 crianças (10 meninos e 2 meninas) que se refugiaram nos cômodos
abandonados do antigo orfanato CRARN das quais temos cuidado com alimentos,
roupas e ajuda escolar desde junho deste ano através de uma família local que
se dispôs a cuidar deles.
Ali
também no antigo orfanato encontrei também e pra minha surpresa o escritório
reativado com duas ONGs trabalhando em parceria e dizendo que desde setembro
tem também cuidado das mesmas crianças dando lhes duas refeições por dia.
Minutos
mais tardes as crianças vieram me dizer que elas quase nada recebem daquelas
ONGs além de esporadicamente uma porção de farelo de mandioca e percebi que ali
não passavam de um grupo de 5 ou 6 funcionários do antigo orfanato
desempregados a muito tempo, usando o lugar de fachada para levantar alguns
fundos para si próprios. Todas as crianças me pediram que continuasse ajudando
elas através da família do Godwin e no fim os meninos literalmente me
imploraram por mais uma bola de futebol pois a deles já havia furado a vários
dias. No dia seguinte quando retornei com uma bola novinha que havia trazido da
Inglaterra a alegria deles foi tão grande que parecia que eu havia lhes
realizado um grande sonho.
Depois
fui até o orfanato da Salvation Army (Exército da Salvação) onde mantemos o
pequeno Samuel um menininho muito especial que também resgatamos das ruas e
pagamos pelo seu cuidado.
Embora
eles tenham uma construção invejável com quartos, casas, templo e muita área ao
redor hoje só cuidam de 15 crianças e só contam com 4 funcionários por falta de
fundos também.
De
lá fui procurar a família da dona Mabel que já a mais de uma semana entrou em
contato conosco pedindo ajuda. Pediram que fossemos buscar duas crianças que
nos espaço de cinco dias foram encontradas
na estrada e que eles não tinham nenhuma condição financeira de cuidar
delas.
Chegando
lá os conheci. O primeiro que eles haviam encontrado sentado no mato à beira da
estrada era o Bassey, um menino de 9 anos bem tímido que não sabe nem
exatamente o nome de onde ele morava além do nome da região.
Segundo
ele o pai o trouxe e o abandonou na rua. Quando o encontrei ele estava vestindo
uma camisa do senhor que o resgatou e estava sem shorts, sem cueca, sem nada.
Segundo dona Mabel quando ele foi encontrado estava usando uma roupa
literalmente podre, estava extremamente faminto e não fazia ideia de para onde
deveria caminhar e por isso sentou ali na estrada e ali ficou.
A
segunda criança foi a Favour, aproximadamente 5 aninhos, uma gracinha de menina
que não faz ideia do nome do lugar onde ela morava.
Foi
também encontrada na beira da estrada com o corpo todo ferido. As marcas
estavam espalhadas nas costas e cabeça e se assemelhavam a chicotadas mas ela
tentando explicar a causa dizia que foi uma máquina grande e o pessoal acha que
ela foi atropelada por algum caminhão e se machucou no asfalto. Por causa da
situação em que ela foi encontrada a dona Mabel e seu marido chamaram a polícia
que a levou e pelo dialeto dela tentou localizar sua vila, mas não conseguiram e
simplesmente a trouxeram de volta. No caso do Bassey na próxima terça-feira a
Uduak que trabalha conosco vai passar o dia com ele rodando as vilas de Oron
tentando localizar sua vila e família para tentarmos um processo de
reconciliação. Mas no caso da pequena Favour não cremos que vamos achar sua
família e preciso ainda este fim de semana arranjar um orfanato onde possamos
colocá-la e cuidar dela.
Visitei
também o que eles chamam de “grande construção da Stepping Stones” e tudo o que
vi foi um alicerce realmente bom mas já com muito mato crescendo mostrando a
falta de trabalho por ali. Segundo os próprios membros da SSN eles estão com
escassez de fundos e isso me desapontou, pois desde o começo do ano os vi
deixando as “criancinhas bruxas” meio de lado devido a tanto conflito político
com que se envolveram e começaram a desenvolver outros projetos em outros
estados e em Gana.
Nas
últimas três semanas nosso time resgatou e cuidou do caso de quatro meninos,
Samuel (8 anos), Michael (8 anos), David (8 anos) e Israel (6 anos). Samuel
está na Salvation Army aos nossos cuidados como já mencionei; David foi
encaminhado ao Ministério do Bem estar da Mulher e Criança; Michael e Israel
tiveram suas famílias localizadas e foram ambos reconciliados.
Mas
hoje, três horas atrás recebi daqui de Eket más notícias lá de Oron. Michael
apareceu quase desmaiando na casa do Chief Medekong com a roupa toda suja de
sangue. Quando olharam para ele viram que ele tinha um corte enorme na cabeça.
Rapidamente
levaram ele para receber algum socorro, chamaram a polícia e os conduziram até
a casa de Michael. Chegando lá abordaram seu pai o qual alegou que seu irmão,
tio de Michael, bateu na cabeça dele com uma barra. A polícia encontrou seu tio
e ele foi detido aproximadamente uma hora atrás.
Ainda
a caminho da base nosso time recebeu uma ligação de Joy , uma funcionária da
Stepping Stones, pedindo por ajuda. A mãe dela havia encontrado uma menina de
13 anos chamada Glory num terreno baldio atrás de um campo de futebol. Ela
disse que foi abandonada lá por sua família, mas que mora em outra vila. Glory
acaba de ser resgatada e vai ficar na nossa base até arranjarmos um orfanato
para ela, enquanto tentaremos localizar sua família.
Também
visitei as 200 crianças em Uyo ainda no abrigo temporário em que o governo as
colocou depois de tê-las retirado do orfanato CRARN. Depois de nossa última
visita lá em Julho e das fortes críticas que fizemos ao governo através da
mídia eles aparentemente resolveram agir e contrataram mais pessoas para cuidar
das crianças, colocaram quase todas em escolas na região, lhe deram uniformes
de escola e colocaram uma enfermeira também no abrigo. Assisti as crianças
chegarem num ônibus e vi também a cozinheira preparando um caldeirão de sopa de
folhas para elas. Foi muito bom revê-las mas certamente ainda falta o mais
importante no lugar, amor. As crianças estão mais carentes do que nunca e
carecem de tratamento emocional.
No
meio e em volta de todo este caos estão as (LITERALMENTE) milhares de “igrejas”
pregando a prosperidade e adorando a Mamom. Espalhando em cada canto que você
olha seus cartazes e folhetos de campanhas cheios de promessas, quase todas
ligadas a prosperidade e libertação dos poderes da bruxaria. Outros prometem o
milagre do casamento. A Apóstola Helen que fez aquele filme desgraçado que
infernizou a mente dos nigerianos esta com mais uma campanha prometendo vários
milagres entre eles a defesa contra ataques de bruxaria, libertação de
pesadelos, falta de promoção no trabalho e impotência financeira.
Enquanto
isso os valores familiares e qualquer coisa que se assemelhe ao evangelho de
Cristo vão desaparecendo. O inferno vai se instalando. Todo lugar que se olha
nas ruas vê-se brigas ou a corrupção do ser. E as crianças continuam a ser
consideradas o primeiro fardo a ser abandonado quando a situação fica fora de
controle numa família. E são rejeitadas, abusadas e abandonadas o mais distante
o possível de casa.
Não
tenho perdido uma chance de sentar com pastores aqui tendo longas conversas
sobre o EVANGELHO e tenho tido momentos muito bons e marcantes. Com a graça de
Deus, a partir de fevereiro vamos colocar o Caio na TV local. Finalmente hoje
consegui sentar com a direção de um canal e comecei a acertar os detalhes.
Devido ao custo estou encomendando somente meia horinha por semana mas tenho
certeza que vai fazer toda a diferença na vida de quem essa mensagem alcançar,
assim como tem feito na minha e na sua vida.
Nestes
dois anos a única coisa que vi melhorar por aqui e mesmo assim muito lentamente
foi uma estrada que liga um caos a outro caos e a empresa de petróleo ao
aeroporto.
Que
permaneçamos todos juntos e firmes nessa batalha.
Beijo
em todos.
Leo
Santos | Eket, Niger Delta - Nigéria
Este artigo foi postado por Blog do Caminho em 21 de novembro de 2011 às 20:11 e está arquivado em caminho nações,crianças-bruxas,leonardo rocha,nigeria. Siga quaisquer respostas a este artigo através do RSS 2.0 feed. Você pode também deixar seu comentário aqui.
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