Crianças acusadas de serem bruxas no Reino Unido

Ontem pela quarta vez fui convidado ao parlamento inglês.

Na primeira vez representei a organização ONE no lançamento da campanha “Que Crianças não nasçam mais com HIV a partir de 2015” junto ao Secretário de Desenvolvimento Internacional pelo Reino Unido, Andrew Mitchel. Na segunda fui convidado para jantar com o Lord Alton of Liverpool onde o tema da conversa foi “Crianças soldados e vítimas de abuso sexual na República Democrática do Congo”, ocasião em que tive a oportunidade de falar sobre o problema das “crianças-bruxas” e de nosso projeto. Na terceira vez, em outubro do ano passado, fui convidado à outra reunião no White Hall, reunião presidida pela Sra. Penelope Smith, chefe do departamento de Relações Exteriores do Reino Unido com a África Central, onde o tema abordado foi “O abuso de crianças na África Central”.

Nesta reunião tivemos a participação de cinco organizações inglesas que trabalham em prol das crianças na África e eu então já representando oficialmente o Way to the Nations. Tivemos também a participação por áudio-conferência da Ministra do Bem Estar da criança na Nigéria junto a seu assessor. Nesta ocasião, embora o tema principal não fosse bruxaria, ele acabou se tornando central depois da abordagem “direta” que fiz e da posição de defesa e negação que o governo nigeriano tomou.


Mas ontem, nessa minha quarta visita ao parlamento onde o tema tratado na sessão foi “Crianças acusadas de serem bruxas no Reino Unido”, confesso que me surpreendi com a mobilização e a seriedade em que o tema foi tratado. O salão estava cheio, com uma grande participação de membros do parlamento que falaram sobre uma possível revisão de leis no país para proteger as crianças vítimas deste fenômeno.

Um dos fatores que motivou a realização deste evento foi à morte de Kristy Bamu, um adolescente de 15 anos de idade que foi brutalmente assassinado em Londres no Natal de 2010 por sua própria irmã, que confessou semanas atrás em seu julgamento que acreditava ser ele um bruxo, e ela teve também a ajuda do marido na execução.



Krysty Bamu de 15 anos assassinado pela irmã e cunhado em Londres.

Nessa sessão também participaram várias pessoas do clero londrino e líderes de algumas ONGs envolvidas com trabalhos de proteção às crianças. Depois dos parlamentares falarem, a primeira pessoa a falar foi o nigeriano Reverendo Nims da igreja Arca da Liberdade de Londres, e de fato ficou evidente ser ele uma pessoa muito reverenciada! As duas “sugestões” que ele colocou durante a sessão mostraram que a posição dele é no mínimo equivocada. A sugestão apresentada pelo Rev. Nims foi de que talvez fosse necessário já no aeroporto, logo na chegada de pessoas de países onde essas práticas são comuns, que se fizesse uma explicação de que “aqui neste país não se praticam estas coisas, caso contrário você pode ser preso”. E, devido a uma frase num dos slides que exigia investigações em ações de “rogue pastors” (pastores patifes), ele acrescentou que achava “perigoso começar a diminuir os pastores usando palavras como estas porque na África quem faz essas coisas são os Witch Doctors, mas aqui no Reino Unido os estamos chamando de pastores, o que eles não são”.

Quando foi dada a oportunidade para três convidados falarem, não perdi a chance e levantei imediatamente a mão. Em três minutos apresentei o Way to the Nations (o Caminho da Graça Internacional) e me posicionei com relação ao que o reverendo disse. Mencionei que tenho observado que as pessoas falham em mencionar em ocasiões importantes assim, fatos importantes como, por exemplo: que este fenômeno não tem respaldo bíblico e que se o clero não mudar sua postura e tratar o assunto com assertividade, as coisas vão piorar. Por exemplo, não resolve dizer a uma pessoa que chega ao país “aqui no Reino Unido não se deve chamar criança de bruxa senão você será preso”. Se vocês como reverendos e pastores querem mudar esse absurdo precisam dizer que “em lugar algum do mundo se deve chamar uma criança de bruxo se você acredita em Jesus porque ele não aprovaria isso”. Também não concordo com o reverendo quando diz que na África as pessoas que ensinam isso são chamados de “witch doctors” porque não é o caso. Nos últimos dois anos conheci mais de cem pastores na África que acreditam que crianças podem ser bruxas (os líderes africanos presentes consentiam com suas cabeças enquanto eu falava). De igual modo, conheci também aqui no Reino Unido o caso de pastores que acreditam nisso, inclusive pastores ingleses que também não são witch doctors.

Meu posicionamento me rendeu contatos importantes ao final da sessão, algumas ONGs e a mídia me procuraram dizendo que fui de fato a única pessoa ali que tratou o problema com clareza e propriedade. Deixei claro que nós do Way to the Nations estamos dispostos a ajudar também no Reino Unido a desenvolver um projeto para erradicar este abuso no meio do povo da fé.

Em breve me encontrarei com os diretores da organização AFRUCA que organizaram o evento junto aos parlamentares.

Leo Santos
Londres 19 de Abril de 2012